Como mobilizar os intervenientes no setor para a realização progressiva dos direitos humanos à água e ao saneamento

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A Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGA) reconheceu o acesso à água potável e ao saneamento como direito humano em 2010; em 2015, veio estabelecer a distinção entre os dois direitos, prevendo especificamente o direito humano à água potável e o direito humano ao saneamento. Esta decisão veio implicitamente reconhecer a importância dos serviços públicos de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais. Estes serviços são os principais instrumentos para a realização progressiva destes direitos, promovendo a redução dos problemas de equidade e o acesso universal.

Ao nível global, Portugal tem sido um dos apoiantes dos processos que levaram a estas tomadas de decisão e tem estado envolvido em iniciativas internacionais com vista à promoção e à realização progressiva e monitorização destes direitos. Também em 2015, a adoção unânime pela Assembleia Geral das Nações Unidas dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) veio reforçar o compromisso da comunidade internacional em relação a estes direitos. De facto, o relatório do Secretário Geral da ONU sobre os ODS vem dar orientações no sentido de reforçar os direitos humanos em geral, mas realça especificamente os direitos humanos à água potável e ao saneamento.

Os diversos intervenientes do setor têm hoje, nos vários países, o dever de garantir que a água potável e o saneamento se encontram disponíveis para todos e que são geridos de forma sustentável, sem deixar ninguém para trás. Este aspeto está no cerne do ODS 6 relativo à água e saneamento, apoiado em objetivos e indicadores acordados a nível internacional. É fundamental que todos os profissionais do setor do abastecimento de água e saneamento tomem consciência que o âmbito do ODS 6 cobre todo o ciclo urbano da água, incluindo a gestão integrada de recursos hídricos, a necessidade de promover a eficiência no uso da água e a proteção da integridade dos ecossistemas de modo a garantir tudo aquilo que eles nos podem fornecer.

Quais as implicações práticas destes direitos para as entidades responsáveis pelo abastecimento de água e saneamento de águas residuais?

Os direitos humanos à água potável e ao saneamento podem aparentar ser muito distantes do dia-a-dia das entidades gestoras, dos profissionais do setor e dos reguladores. No entanto, todos devemos perguntar a nós mesmos, o que é que, enquanto profissionais do setor, podemos contribuir para concretizar progressivamente estes direitos humanos?

Estas perguntas inspiraram um grupo de especialistas (incluindo David Alves, da ERSAR) de diferentes áreas do setor da água a desenvolver o Manual sobre os Direitos Humanos à Água Potável e ao Saneamento para Profissionais, publicado pela International Water Association em Outubro de 2016. Este Manual encontra-se agora também disponível numa edição em língua Portuguesa, que foi preparada em colaboração com a ERSAR, a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos de Portugal.

A concretização destes direitos determina que os Estados têm a obrigação de os respeitar, proteger e assegurar de acordo com os princípios e critérios dos direitos humanos. Isso não significa que os serviços devam ser gratuitos, nem que a sua prestação deva ser restrita a um tipo de modelo de gestão: os princípios dos direitos humanos não preconizam que sejam apenas entidades públicas a trabalhar na prestação destes serviços. A realização progressiva é um princípio fundamental, considerando o estabelecido na convenção dos direitos económicos, sociais e culturais. Este princípio salienta a perspetiva pragmática de que não é possível que os governos, autarquias, entidades gestoras e reguladores satisfaçam de forma imediata as necessidades de todos os cidadãos. Traduz a ideia de que a universalidade do acesso será conseguida através de melhorias graduais e que os utilizadores devem ter em consideração as limitações das entidades gestoras para assegurar o acesso universal aos serviços de forma instantânea.

Pelo seu lado, as entidades gestoras deverão demonstrar as iniciativas e os progressos realizados para o objetivo de garantir os direitos a todos, quer expandindo os serviços àqueles que ainda não têm acesso, quer garantindo a sustentabilidade e resiliência do serviço para aqueles que já são servidos. Devem aplicar as medidas necessárias para que aqueles que têm limitações económicas conseguem pagar as tarifas dos serviços. Devem implementar princípios e normas que se aplicam por igual a todos os utilizadores. Finalmente, devem fazê-lo criando condições para o desenvolvimento económico e a preservação dos ecossistemas.

No contexto dos direitos humanos e dos SDG, os reguladores do setor, como a ERSAR, têm a responsabilidade de orientar as entidades gestoras no desenvolvimento de boas práticas e aferir a realização progressiva destes direitos, promovendo a recolha de informação e tornando-a disponível publicamente, de forma independente e acessível a todos.

O papel dos prestadores dos serviços de águas

O Manual sobre os Direitos Humanos à Água Potável e ao Saneamento para Profissionais foca-se no papel das entidades responsáveis pela prestação dos serviços de águas e dos reguladores. A abordagem dos direitos humanos à água potável e ao saneamento introduz um conjunto de princípios e critérios que podem não estar tradicionalmente no centro das suas preocupações, mas que devem ser respeitados e acautelados. Os critérios são a acessibilidade, a disponibilidade, a qualidade e segurança no acesso à água, a acessibilidade económica e a aceitabilidade.
Esta abordagem é terreno fértil para a implementação de medidas concretas para aplicação pelas entidades gestoras destes serviços. Deste ponto de vista, o sucesso da realização progressiva dos direitos resulta, em grande parte, da sua integração nos instrumentos de gestão das entidades gestoras, por exemplo nos planos operacionais, prevendo níveis de serviço compatíveis com esses princípios, critérios e objetivos.

A tradução para língua portuguesa do Manual visa colocar à disposição do público uma ferramenta prática para promover a realização destes direitos entre os profissionais dos serviços de abastecimento de água e saneamento em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste, bem como todos os demais falantes de português.

Portugal – uma história de sucesso?

Em Portugal, os princípios subjacentes à concretização dos direitos humanos à água e ao saneamento são reconhecidos na legislação e nas práticas regulatórias e inspiraram a política pública nacional para o setor, designadamente os planos estratégicos. Esses planos estratégicos e a abordagem integrada que tem sido desenvolvida em Portugal permitiu alcançar resultados muito positivos.

A ERSAR tem por missão a regulação e a supervisão dos setores de abastecimento e saneamento de águas em Portugal continental. No quadro destas atribuições, a ERSAR continuará a promover o acesso universal a serviços de águas de qualidade e a contribuir para a necessidade de respeitar proteger e assegurar os direitos humanos a todos os cidadãos.

O Manual sobre os Direitos Humanos à Água Potável e ao Saneamento para Profissionais pode impulsionar a implementação de boas práticas nos países Lusófonos. Vem apoiar o setor a nível global, mas muito particularmente nestes países, constituindo uma oportunidade para que possam ser precursores na concretização destes direitos humanos nos próximos anos. Teremos todo o gosto em poder trabalhar com todos os intervenientes no setor para alcançar esse objetivo e esperamos que esta publicação possa ser o primeiro passo.

 

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Orlando Borges and Ana Barreto Albuquerque

ERSAR
Orlando Borges is Chairman of the Board of Directors of ERSAR. Ana Barreto Albuquerque is Member of the Board of Directors of ERSAR. Read full biography